UM POUCO DE HISTÓRIA
(texto extraido do blog Assim Falou De Nardi)
Daniel De Nardi
A proposta deste texto é falar sobre a parte corporal do Yôga, o ásana. O Yôga é uma filosofia de vida que tem como objetivo o autoconhecimento. Para alcançar essa meta, o Yôga dispõe de uma variedade de técnicas que vão desde exercícios com as mãos (mudrás) até meditação (samyama), podemos também citar os respiratórios (pránáyámás), vocalização de sons e ultra-sons (mantras) e a técnica corporal (ásana), a qual iremos abordar. Cada uma dessas técnicas atua em diferentes áreas do ser humano a fim de que ele possa ampliar sua capacidade de auto observação e ganhar mais energia vital para realizar seus objetivos.
O Yôga possui mais de 5000 anos. Surgiu no noroeste da Índia numa região chamada hoje de Vale do Indo. A civilização que habitou esse lugar passou praticamente despercebida pela História e só foi revelada ao mundo no final do século XIX, quando o arqueólogo inglês Alexander Cunningham começou a investigar umas ruínas em 1873. Por acaso, ele observou que funcionários de uma ferrovia estavam buscando tijolos em um terreno baldio para calçar os trilhos dos trens. Perguntou de onde eles estavam tirando aqueles tijolos e descobriu uma cidade inteira abaixo da terra. Depois disso, vários outros sítios arqueológicos foram sendo descobertos próximo a essa região, tais como Mohenjo-Dharo, Harrapa, Lothal etc.
Pois foi nessa civilização extremamente avançada, que nasceu o Yôga. Alexander desvendou cidades planejadas com ruas construídas respeitando a direção dos ventos, casas de dois andares para os habitantes e locais de administração pública bastante simples (diferente das construções suntuosas da época como Egito e Mesopotâmia). Haviam grandes banhos públicos onde os habitantes se refrescavam nos dias de calor escaldante. Além disso, os esgotos eram fechados e ainda funcionavam quando ele testou. Encontrou também materiais cirúrgicos avançados, brinquedos de crianças com cabelo implantado, enfim uma civilização que primava pelo bem estar do povo e não apenas dos superiores hierárquicos como acontece até os dias de hoje.
Em Harrapa e Mohenjo Dharo, foram encontrados desenhos de pessoas meditando o que deixou clara a existência do Yôga nesta população.
Essa preocupação com o bem-estar, já mostra uma característica muito importante do ásana.
Quando o yôgin começa a fazer uma posição é muito importante que ele se sinta bem executando-a, pois no Yôga valoriza-se a permanência e é muito difícil permanecer muito tempo se você não está se sentindo bem na posição. Da permanência longa depende a evolução na execução, ganhando-se alongamento, força e flexibilidade e também a ampliação a capacidade de auto-observação já citada como um dos objetivos da prática.
Mencionei também os respiratórios (pránáyámas) que podem ser praticados a parte, em qualquer posição sentada, ou dentro do ásana. A respiração é uma das ferramentas mais importantes do Yôga. Com ela, consegue-se atuar na melhor administração do emocional e na redução do desgaste, seja este físico ou por uma situação de stress. O princípio disso é que assim como o nosso emocional influencia a respiração, podemos fazer o caminho inverso e a partir da respiração também influenciar o emocional. Não significa que você vai parar de sentir ou que nunca ficará cansado, mas o fato é que sempre quando sentimos um stress muito grande ou um cansaço forte o corpo fica se desgastando para se recuperar. Liberando diversas substâncias, nem sempre saudáveis para as células. Essa recuperação poderá ser mais rápida a medida que se controla o processo respiratório. Dentro do ásana a respiração vai contribuir nesses dois sentidos, diminuindo o desgaste físico e permitindo um mergulho maior para dentro de si a medida que se executa a posição.
Além disso, pode-se aplicar vocalizações (mantras), meditações em alguma parte do corpo (samyama) e mentalizações. Tudo isso, amplia a vivência e os efeitos de cada posição.
O QUE AS ANTIGAS ESCRITURAS HINDUS DIZEM DO ÁSANA
Que fique bem claro: não se trata em absoluto de convidar os doutos europeus a praticar Yôga (o que aliás é menos fácil do que dão a entender certos amadores), nem de propor às diversas disciplinas ocidentais que aplique métodos do Yôga ou adotem sua ideologia.
Uma possibilidade que nos parece bem mais fecunda é estudar o mais atentamente possível os resultados obtidos por tais métodos de investigação da psique.
Assim, abre-se ao pesquisador europeu toda uma experiência imemorial referente ao comportamento humano em geral.
Seria imprudência não se tirar proveito disso.
Mircea Eliade, Yôga Imortalidade e liberdade.
Os antigos sábios hindus gostavam de começar suas explanações definindo o que entendiam pelo assunto que iriam abordar. Seguindo seu exemplo, vou começar pela definição de Yôga mais clássica que existe, feita por Pátañjali um importante mestre que viveu na Índia no século III A.C. Pátãnjali tem uma importância muito grande dentro da história desta filosofia pois ele foi o primeiro a escrever um livro falando somente desta prática, o famoso Yôga Sútra. Este livro é escrito em aforismos, frases concisas repletas de conhecimento, começando desta forma.
I - 1 Agora o conhecimento do Yôga
I - 2 Yôga é a supressão da instabilidade da consciência
Então para o Yôga o importante é reduzir todas as formas de instabilidade, sejam elas físicas, emocionais ou mentais para que a consciência em sua forma mais limpa possa ser vislumbrada. Esse processo vai sendo conquistado de diferentes formas, os yôgins aprendem a direcionar sua atenção ora para um som (mantras) ora para a respiração (pránáyáma), ora para uma única imagem (samyama) ou para o corpo (ásana) e neste último ponto que começa o nosso trabalho.
O corpo é portanto, uma importante ferramenta para que o yôga atinja sua meta.
O ÁSANA
A magia do movimento
que enleva o espírito num apelo à beleza,
criando obras de arte corporal,
gerando esculturas viventes,
brotando umas das outras,
encadeadas por um sutil fio de continuidade
e de harmonia indescritível!
Assim como o escultor,
desbastando o bloco de pedra fria
faz surgir a obra prima que em seu interior jazia
da mesma forma o yôgin se transfigura
e deixa aflorar obra e artista
na execução coreográfica dessa dança milenae.
Isso é ásana!
DeRose, Faça Yôga
Começaremos mais uma vez usando uma definição de Patáñjali para ásana, feita no Yôga Sútra capítulo II, versículo 46 "ásana é toda posição firme e agradável."
Patánjáli viveu em uma sociedade extremamente patriarcal. No século III A.C., a cultura do guerreiro era bastante presente na Índia. Os arianos haviam dominado o país e imposto sua filosofia comportamental, na qual, a repressão ao prazer era prática regular. Treinamentos militares primitivos eram comuns entre os jovens e os guerreiros gozavam de prestígio dentro da sociedade. Apesar disso tudo, Patánjali define a parte corporal da filosofia que desejava propagar como algo "agradável", portanto prazeroso. Isto certamente deve ter gerado muitos questionamentos quando foi apresentado. Entretanto, Patánjáli não estava criando um método novo. O Yôga já existia na Índia há pelo menos dois mil anos antes dele escrever seu livro. Os textos mais antigos do hinduísmo, Vêdas, Ithásas e Upanishads já citavam expressamente suas técnicas e efeitos.
"É por isso que o yôgin une dessa maneira o prána, a sílaba ÔM e este universo com todas as suas inumeráveis formas [...], razão pela qual esse processo chama-se Yôga. A unidade da respiração da consciência e dos sentidos, seguida pela extinção de todos os conceitos: isso é o Yôga," Maitri Upanishad (VI, 25)
Além disso, selos que datam mais de 5000 anos e que eram usados para marcar mercadorias mostram imagens de yôgins em posições de meditação.
O outro ponto da citado por Pátañjali é a firmeza, "firme e confortável." Essa característica é relacionada com a busca pela estabilidade "supressão da instabilidade da consciência" citada no início. No capítulo 2 versículo 47 Pátañjali fala da técnica corporal "Ela é dominada quando elimina-se a tensão e medita-se no infinito." Se a permanência fosse sofrida, pois neste caso a luta interna seria para se livrar daquela sensação e não por aprofundá-la. O trabalho de Patáñjali foi resgatar um conhecimento bem mais antigo que ele, de uma civilização anterior a ariana chamada drávida ou harapiana. Esse povo, ao contrário dos arianos, era avesso à guerra e consequentemente valorizava o prazer. Por conta disso, não havia como tirar o prazer da técnica corporal. Do prazer durante a prática, dependia a evolução nessa filosofia. Somente quando o yôgin consegue se sentir bem executando uma posição ele consegue estabelecer uma relação mais íntima com seu corpo, consegue aprofundar a experiência de senti-lo na totalidade. Quando o yôgin se coloca num ásana, é essencial que ali permaneça por bastante tempo para que os efeitos de descobertas e autoconhecimento venham a tona. Isto seria impossível sem o conforto e a permanência longa.
CONCLUSÃO
Cada vez mais a medicina e a psicologia modernas tem observado que tudo o que sentimos, de alguma forma fica impregnado no nosso corpo. Uma tensão emocional gera uma tensão dos músculos, assim como uma situação descontraída faz com que eles relaxem. Sendo assim, hoje algumas linhas de psicologia, como a de Reich, tem usado um trabalho corporal para liberar tensões ou até traumas do psiquismo dos pacientes.
O Yôga já vem trabalhando nesse sentido há todos esses anos. Atuando não necessariamente em casos extremos como Reich, mas para todas as pessoas que desejam se conhecer mais. A medida que paramos alguns minutos numa posição e observamos às reações do nosso corpo à ela, conseguimos obter informações importantes para a nossa melhoria como ser humano. Uma pessoa ansiosa por exemplo, que consiga se superar no sentido de estabilizar o corpo por um tempo, terá invariavelmente um reflexo positivo disso em seu comportamento.
Além disso como o corpo é agitado e arritmico por natureza, movimentando-se até mesmo quando dormimos, estabilizá-lo pode significar um controle sobre humano. O Yôga tem essa ambição de tornar seus praticantes mais que simples viventes, mas pessoas que conseguem algo a mais que simplesmente seguir seus condicionamentos e boa parte desses resultados é conquistado graças ao ásana.
Bibliografia:
Mircea Eliade, Yoga Imortalidade e liberdade editora Palas Atenas
Yôga Tantra e Sámkhya, Sergio Santos editora uni-Yôga
Tratado de Yôga, DeRose editora Nobel
A Tradição do Yoga, Geroge Feuerstein, Editora Pensamento
Yôga-Sútra, Pátañjali, Editora Martin Claret.
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